Memorial do Campo des Milles
Visita ao campo de deportação de judeus em Aix-en-Provence
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E foi num domingo de outono, um dia que começou com sol, coisa rara pro mês de novembro, que escolhemos pra fazer um passeio para o qual eu vinha me preparando desde o verão. A viagem foi curta, 4km apenas separam nossa casa do destino escolhido. Quando passamos por uma praça, um certo número de pessoas se encontrava ali, alguns trajando suas fardas, outros em suas roupas de civis. E foi então que caiu a ficha: era a celebração do armistício da primeira guerra, o 11 de novembro de 2012. Estacionamos e nos juntamos ao grupo. Diante de mim, crianças que não sabem o que é uma guerra, além da que fazem com seus travesseiros, se juntavam a adultos que depositavam arranjos de flores aos pés da estátua em memória dos combatentes mortos, que podemos ver em praticamente toda cidade da Europa, não importa o tamanho. E antigos combatentes da guerra recebiam condecorações por seus feitos. Uma cena que só consigo classificar como surreal, porque se inscreve também no lugar escolhido para visitarmos nesse domingo. Encerradas as homenagens, inclusive aos soldados que tombaram no Afeganistão, prosseguimos pro nosso destino. Caminhamos alguns metros e chegamos à portaria de uma antiga fábrica de tijolos.
Vestígios do Holocausto em Aix-en-Provence
Na fachada, o primeiro detalhe que chamou atenção foi uma grande imagem de Nossa Senhora, bem no alto do edifício. Um bombeiro nos recebeu, e nos orientou à entrada principal, dizendo que as fotos só eram autorizadas no exterior do local. Ao chegarmos à recepção, uma moça nos deu um primeiro aviso: faz muito frio lá dentro, porque a intenção é dar aos visitantes uma ideia aproximada das condições da época. Ela também nos disse que o tempo de visita é longo, de aproxidamente três horas e meia, e que só tem toilettes na entrada, seria melhor ir antes de iniciar o percurso, onde assistiríamos vídeos com cenas fortes. Agradecemos e atravessamos uma porta automática, entramos numa sala com bancos dispostos e aguardamos o início de um filme. Relatos de fugitivos daquele lugar, impossível segurar a emoção. Estávamos no Camp des Milles, um dos campos de deportação de judeus da França durante a Segunda Guerra, o único que foi transformado em Memorial, para que um dos capítulos mais negros da história do país, segundo o antigo presidente Jacques Chirac, não seja apagado.
O Memorial do Camp des Milles foi inaugurado no dia 10 de setembro de 2012, data escolhida não por acaso, uma vez que foi a dia em que o último comboio de deportação com destino à Auschwitz deixou o local, em 1942. O desejo das famílias dos deportados, assim como dos próprios presos que conseguiram escapar da deportação, era que essa história não fosse esquecida, muito menos repetida. O resultado desse desejo é um trabalho de preservação, de conscientização e de informação feito com muito cuidado e que proporciona aos visitantes informações sobre o contexto histórico durante o qual o episódio do holocausto aconteceu, assim como informações sobre os presos no Camp des Milles e a história da fábrica antes de ela ser transformada num campo de deportação.
Como a intenção da fundação é promover sensibilização e reflexão em torno das causas de movimentos de racismo e preconceito existe uma preocupação em mostrar não apenas a Shoah que aconteceu entre 1939-1945, mas também o Semudaripen, o genocídio dos ciganos que também aconteceu durante o nazismo, sem esquecer a Tséraspanoution dos armenos entre 1915 e 1916, genocídio reconhecido por 21 países, mas negado até hoje pela Turquia, e o último genocídio evocado durante o tempo de reflexão da visita, o genocídio em Rwanda cometido pela etnia Hutu contra a etnia Tutsi.
Visitando o Memorial do Campo des Milles
Nossa visita durou 4 horas, mas que parecem ter sido 4 anos, tamanha a intensidade e importância das informações. Ali, aprendi que um presidente que tinha sido heroi da primeira guerra tomou a iniciativa de deportar judeus, inclusive cidadãos franceses, sem mesmo que o governo nazista tenha feito qualquer demanda nesse sentido. Mas também aprendi que, apesar das atrocidades cometidas em qualquer tipo de situação-limite como esta, ações bondosas são realizadas. Um árabe compra um armeno como servo para evitar que ele seja executado. Um alemão adota uma criança judia, que ele vai salvar do campo de extermínio. E a visita termina com o mural dos justos, um mural consagrado aos herois que escolheram a outra via, a via do respeito, a via do não-conflito mesmo que num movimento de clandestinidade face ao governo, herois que testemunham que não existe um só caminho, e que o caminho que vai contra a autoridade imposta ou de fato, quando escolhido tendo como objetivo a resistência à monstruosidade.
Informações práticas:
Memorial do Camp des Milles – Aberto de terça-feira à domingo (fechado às segundas-feiras), de 10h às 19h. Duração da visita: 3 horas.
Entrada: 9,50 euros tarifa integral, 7,50 tarifa reduzida (estudantes, crianças). Gratuita para crianças com menos de 9 anos, antigos combatentes, deportados e antigos resistentes.
Unknown
Também por causa da guerra o sobrenome Gabriele não constou no nome da minha avó (sua bisa materna)… Mas está lá nas placas de pedras, no "porto" do Rio Beneventes, em Anchieta, onde muito provavelmente aportaram nossos antepassados, e quis o destino que você começasse sua vida no mesmo lugar onde nossas origens estão…
Arthur FrançaBrasil
Natalia, muito obrigado por partilhar essa fantástica experiência!
Suas palavras foram especiais.
Giselle Gurgel
Realmente os memoriais pós guerra nos fazem pensar muito. Eu fico num misto de tristeza profunda com um arrependimento do que eu não vivi. Mas é bom também, desperta um lado humano que deve mesmo ser despertado. O seu toque familiar pessoal enriqueceu bastante o texto, obrigada por compartilhar isto conosco! Até a próxima 🙂
Jackie e Rômulo
Nat, amo história, acredito na importância de não nos esquecermos de fatos tão importantes. Seu post com certeza conttibui pra sensibilização das pessoas que busquem informações sobre este local. O texto é tocante. Parabéns.
bjs,
Melissa
Nossa, que visita emocionante! Eu acabei de ler o Diario de Anne Frank e ler esse post me fez recordar tudo que ela conta sobre a guerra, a sensação de ler o livro. Foi na Holanda, mas foi durante a segunda guerra tambem. Voce ja visitou o Museu? Eu quero visitar! beijos
Natalia Itabayana Junqueira de Mattos
Arthur, a experiência foi realmente fantástica, é uma visita que vale à pena ser feita!
Natalia Itabayana Junqueira de Mattos
Giselle, eu achei a proposta do Memorial de ser um lugar pra dar voz aos deportados e ao mesmo tempo pra sensibilizar as novas gerações sobre os perigos e armas dos radicalismos um caminho interessante que provoca reflexão que podemos incorporar ao nosso dia a dia, nas nossas relações com os outros. Acho que no Brasil, temos certa carência de uma reflexão mais aprofundada com relação à questão da ditadura militar, por exemplo, inclusive por respeito aos que dela padeceram…
Natalia Itabayana Junqueira de Mattos
Jackie, também adoro história e sempre tento incluir nos nossos roteiros os aspectos históricos dos lugares visitados, acho que dá um charme e enriquece o passeio.
Deise.de Oliveira
Que coisa! Não sabia da existência desse lugar. Voltarei à Provence esse ano e quero visitar.
Beijo,
Deise
Nah - Pra Ver em Londres
Que belíssimo texto, Nat. Seus posts me deixam cada vez mais louca para visitar a Provence. Parabéns! 🙂
Beijos,
Nah.
Natalia Itabayana Junqueira de Mattos
Obrigada, Nah!!
Adoro a região, a riqueza historica e variedade de opções de passeio é imensa, vale incluir a Provença no roteiro!
Beijos!
Natalia Itabayana Junqueira de Mattos
Melissa,
estivemos em Amsterdam ha pouco tempo por algumas horas durante uma conexão, e tentamos ir à casa da Anne Frank mas a fila era imensa e o frio congelante nos desencorajou, estávamos sem roupas apropriadas, acabamos deixando a visita pra outra ocasião 🙁
Um amigo visitou e gostou muito!
Natalia Itabayana Junqueira de Mattos
Eu também não sabia, mesmo morando praticamente do lado, e ainda esperei três meses depois da inauguração pra visitar, mas acho que vale o incluir no roteiro, Deise!