A Provença vista do alto: no topo da Sainte Victoire

A montanha Sainte Victoire foi um dos primeiros passeios que fizemos assim que chegamos em Aix-en-Provence, no início da primavera em 2010. De lá pra cá, tentamos incluir visitas à esta montanha que inspirou (e inspira) artistas, como o ilustre Paul Cézanne, originário da cidade e que fazia caminhadas frequentes entre Aix-en-Provence e Le Tholonet, vilarejo vizinho, pra pintar sua musa de calcáreo. Foi justamente numa dessas caminhadas que o pintor impressionista, amigo de Claude Monet, foi surpreendido por uma tempestade e, com a saúde debilitada, padeceu em seguida. Uma estátua dedicada ao artista pode ser vista na Rotonde, próxima ao Office du Tourisme, e o representa da maneira como ele se encontrava durante suas peregrinções à montanha: chapéu, bastão de caminhada e mochila com material de pintura nas costas. O filho do banqueiro não poupava suas pernas e caminhava os 8km que ligam seu atelier às Carrières Bibémus, onde costumava instalar seu cavalete pra pintar.

Com os amigos Jairo e Ariane, passeio em agosto de 2012

Meu primeiro pensamento em relação à montanha branca que se desenhava em minha frente à medida que nos aproxivámos dela pela primeira vez foi o seguinte (fácil deduzir pra quem me conhece ou acompanha o blog há mais tempo): será que tem neve no alto? Ah, a doce ilusão de que todo topo de montanha europeia é coberto por uma camada branca e gelada, mas não é tão impossível. Coisa mais linda de ser ver é a crista da montanha coberta por uma fina camada branca quando os flocos resolvem nos agraciar com sua presença durante o inverno, raras são as vezes, verdade, mas nos proporcionam belas paisagens, o tempo de uma foto rápida antes de desaparecerem. O branco da montanha engana quando visto de longe, mas trata-se do calcáreo das rochas, que predominam na região – as calanques tem o mesmo tom, assim como as Gorges du Verdon. Quando vista em dias normais – entenda-se o céu limpo e azul característico da Provença – temos realmente a impressão de que ela é branca, mas ao nos aproximarmos, podemos distinguir os tons de cinza e a vegetação que cobre parte de sua superfície.

De vez em quando, podemos ter a ilusão da proximidade dos Alpes

Já falei sobre esse passeio de descoberta num dos primeiros posts do blog, quando só minha mãe lia, e desde então levamos muitos dos nossos hóspedes pra vê-la de perto. Em maio do ano passado, Bernardo subiu até o topo, chegando na cruz da Provença com alguns amigos, enquanto eu curtia preguiça redigia minha monografia. Mas este ano, uma vez terminados os compromissos universitários, a única desculpa pra não subir era a preguiça. Aproveitamos a visita de amigos que estão mochilando mundo afora (acompanhem o blog deles, super legal!) e o interesse deles por aventuras do tipo, e quando estávamos pra decidir o que fazer no dia seguinte ao passeio pelo parque das calanques, André pergunta: dá pra subir aquela montanha? Bernardo respondeu com outra pergunta: quer subir amanhã? E assim definimos nosso passeio de domingo. Apesar do calor forte do verão, época em que as trilhas geralmente são feitas ou muito cedo (o que não foi nosso caso) ou no fim da tarde por quem vai tentar um voo de parapente da montanha, preparamos nosso piquenique e às 13h rumamos em direção à Sainte Victoire, pro estacionamento Le Bouquet, de onde parte a trilha que fizemos.

A vista na nossa primeira visita à Sainte Victoire em 2010

Existem duas opções de subida até o topo da montanha, uma partindo do lado sul, acesso pelo estacionamento Le bouquet, e outra partindo pelo lado norte, próxima a cidade de Vauvenargues, saindo do estacionamento Venturiers. O caminho que percorremos é balizado e sinalizado desde o início, mas quem não está acostumado a se orientar com marcações das pedras, é bom ter um mapa (tem disponível pra impressão aqui). Levamos também GPS, mas a sinalização da trilha é realmente muito fácil, e Bernardo já tinha feito o percurso uma vez, o que facilitou também. Levamos uma hora e meia pra percorrer os 2km que nos levam até o refúgio Le Prieuré a 900m de altitude,e que fica perto da cruz (esta, a 942m de altitude). Nossa maior sorte foi o tempo ter nublado assim que pusemos os pés da trilha, pudemos ver do alto a chuva caindo sobre Aix e arredores, algumas gotas chegaram até a montanha. Mas a cereja do bolo foi ver o céu se limpando quando chegamos na cruz. No dia, o vento que soprava vinha do mar, e não pudemos ver o mediterrâneo, mas em dias que o vento sopra contrário, é possível ver a linha do mediterrâneo ao fundo.

A chuva refrescando o verão quente da Provença

No meio do caminho pro topo

A Provença vista da Cruz no topo da Sainte Victoire

Parece uma onda congelada
A 942m de altitude

Depois de vermos a Provença do alto da montanha, aos pés da cruz, voltamos ao local onde fica o refúgio pra aproveitarmos nosso piquenique à sombra da montanha. Quem quiser, pode passar a noite no refúgio, basta levar saco de dormir e afins. Existem instalações sanitárias ali, e um poço que acumula água da chuva. Perto da cruz fica uma casinha onde dois voluntários moram durante o período estival, fazendo o controle de incêndio da região. Assim como acontece com todos os massivos e áreas florestais da região, o acesso à montanha é regulamentado entre 1 de junho e 30 de setembro, e as condições de acesso e circulação devem ser conferidas com antecedência no site da Prefeitura de Bouches-du-Rhône ou pelo aplicativo para smartphones My Provence Balade.

Terminado o piquenique, chegou a hora da descida, e pra mim o ditado “pra baixo todo santo ajuda” não se aplica em se tratando de montanhas. As pedras escorregadias fazem a atenção redobrar, mas é só encontrar um ponto seguro pra pisar e seguir em frente. Sou muito medrosa, sempre revivo meu tombo no esqui cada vez que subo nas pranchinhas, e não foi diferente quando estava descendo a montanha. Mas como disse um dos monitores de esqui que tive, não olhe pros pés, olhe pra onde quer pisar logo à frente, pra antecipar o caminho. E com ajuda do Bernardo pra escolher bem os lugares onde pisar, consegui descer com mais confiança a cada passo, e em uma hora e meia fizemos nosso caminho de volta. Agora, sempre que abro a janela da sala e olho a cruz da Provença no topo da Sainte Victoire, sou invadida por um sentimento de alegria por ter chegado ali, e admiração pela paisagem incrível que pudemos ver lá do alto. Não é o Kilimanjaro ou o acampamento base do Everest, claro (mas quem sabe?), que o Jodrian encarou – vale muito à pena ler a série de posts dele, maravilhosa e inspiradora – mas fato é que, depois que a gente sobe uma vez, quer subir sempre. Porque o simples fato de a montanha estar ali já é motivo suficiente, pra parafrasear George Mallory. 

Leia também: Precisamos das montanhas, do Jodrian, onde li a frase do Mallory.

Uma curiosidade sobre a montanha: Picasso certa vez telefonou a seu marchand, dizendo: “Comprei a Sainte Victoire”. E ele, acreditando que o pintor falava de um quadro de Cézanne que representa a montanha, perguntou “Qual?”, ao que Picasso respondeu “A verdadeira”. Trata-se do Château de Vauvenargues, onde o pintor viveu uma curta temporada com sua esposa Jacqueline, e é nos jardins do château que ele está enterrado. A propriedade é privada e foi aberta a visitação entre 2009 e 2011, e hoje está fechada para o público, mas pode ser vista do alto da montanha, e também numa visita à cidade de Vauvenargues.

Quer conhecer a montanha mas vem sozinho? O site da montanha disponibiliza uma lista de guias e acompanhantes credenciados que podem fazer o trajeto com você! Veja a lista AQUI.

Clique nas fotos para amplia-las
Vista do lado norte da montanha

No castelo no centro da foto está enterrado Pablo Picasso. Château de Vauvenargues

Capela no topo da montanha

A recompensa: ver o fim de tarde do alto. Lac Bimont em destaque.

Excelentes companhias

Sensação de passear numa obra de arte


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