Tóquio, 27 de outubro de 2018. Nunca imaginei que dormiria com 35 e acordaria com 36 anos na capital japonesa. Nunca, em momento algum da vida, me imaginei andando pelas ruas da megalópole, iluminadas pelos imensos paineis de neon. Cresci assistindo séries de tv que exportaram a cultura pop nipônica dos anos 80 e 90. Mas sou incapaz de dizer minha idade quando Jaspion, Jiraya, Jiban, Changemen, Cavaleiros de Zodíaco entraram na minha vida. Só sei que eles ficaram adormecidos por anos depois que entrei na adolescência e perdi o interesse nos comabtes de jovens que se transformavam em gigantes e combatiam monstros igualmente imensos pelas ruas movimentadas de uma Tóquio sob constante ameaça.
Naquela época, com minha tenra idade, não entendia a complexidade do que tudo aquilo poderia representar, mas não importava mesmo. O importante é que, no fim do dia, os adolescentes tinham derrotado o monstro e vestiam novamente seus uniformes de escola, Jaspion voltava pro seu modelito de gosto duvidoso que alguns cantores sertanejos usaram. Mas o Jiraya me fez amar moto desde nova. Eu gostava da roupa de combate dele. Nunca pedi nenhum dos bonecos desses personagens, mas brincava com todos do meu irmão, cinco anos mais novo, e que dividia comigo a mesma paixão pelos ídolos pop japoneses.
Aí vieram os Cavaleiros do Zodíaco. Os danados dos bonecos custavam uma fortuna, eram item de coleção, o desenho era viciante, e bem antes de Harry Potter existir, foi através dos Cavaleiros que me lembro de ter sido confrontada, pela primeira vez, à morte de um personagem. Foi horrível. Lembro que ficamos horas conversando, meu irmão e eu, sobre o porquê da morte não ter sido evitada assim ou assado, porque não fez isso ou aquilo pra evitar, porque… Não lembro mais quem morreu, mas lembro que era uma morte que não significava o desaparecimento do personagem. Os anos passaram, outros personagens de livros, filmes, desenhos, séries morreram, minha reação foi outra.
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Hoje, depois de ter visitado alguns templos budistas e shintoístas, talvez seja menos complexo entender o que significou a morte daquele personagem lá atrás, que morreu mas continuou presente no enredo, nos episódios. Depois, perdi o fio da meada da série, deixei pra lá, mas andando de templo em templo nessa viagem, vendo as crianças irem e virem nesses templos, pensei que faltava uma peça no quebra-cabeças. Ou talvez não faltasse nada, era um desenho e nada mais.
Voltemos à Tóquio. Chegamos na cidade dia 18 de outubro, pouco depois de meio dia, hora local, cinco da manhã no nosso fuso europeu. Vimos a China pela janelinha do avião, seu mar, e pousamos numa pista de aeroporto construída dentro do mar da baía de Tóquio. Pouco antes do pouso, terminei as útimas linhas do romance de Ito Ogawa, The restaurant of love regained (Le restaurant de l’amour retrouvé, na versão francesa que li). Chorei quando li a última linha. Chorei quando o avião tocou o solo japonês. Quando ouvi Bem-vindos à Tóquio. Meus olhos marejaram quando vi colado no meu passaporte o selo de entrada no país, com o monte Fuji estampado.
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Informações, trem, outro trem, valida o ticket uma, duas vezes. Sai da estação, valida o ticket. A maquininha fica com ele, me privando do meu primeiro souvenir material de usuária de transporte público japonês. Chegamos ao nosso primeiro hotel, checkin feito via tablet, escaneia passaporte, paga, assina, tudo sozinho, sob supervisão da atendente, sorridente. Nosso quarto era pequeno, cama colada na parede, dois kimonos dobrados com precisão de origami nos esperavam sobre a cama. Guarda as malas debaixo dela, sai, vamos comer.
O primeiro dia e meio em Tóquio não foi excepcional. A cidade é imensa, megalópole né ? A maior do mundo. Demos uma voltinha perto do hotel, encontramos um restaurante ótimo pro jantar, faz o pedido pelo tablet, não falamos japonês e eles, não falam inglês. Mas o tablet fala. Os sorrisos não tem idioma, e são distribuídos em profusão, ainda bem. Tóquio não me sufocou, não me intimidou, mas o primeiro encontro foi cheio de formalidades, também não me seduziu. Tudo é imenso, pensei. Vasculho na memória as lembranças de Nova Iorque, três anos atrás, e Vancouver, um ano atrás. São Paulo está longe demais dos meus arquivos mnésicos pra servir de parâmetro. É, Tóquio tem os prédios mais altos que já vi. De repente, o tamanho do Godzilla assusta mesmo. Era grande pacas, o bicho.
Dia 20 partimos para Quioto. Tóquio entra no modo de espera até dia 26. Vamos ver o Japão imperial e já voltamos, ok ? Quioto merece um capítulo à parte. Foi a introdução mais que imaginada ao Japão, junto com Nara e Himeji. Tinha um quê de samurai com gueixa com monge que balançou. E a estação de trem mais linda que já vi. Coisa do futuro, ouvi dizerem. Coisa do presente, pensei. O presente deles é o que vislumbramos como futurista. A dois passos da estação futurista, um templo budista. Não esquecemos de onde viemos, foi a mensagem que recebi, e registrei esse encontro surreal em alguns cliques imperfeitos e incompletos, talvez ilustre alguma coisa. Deixa Quioto pra mais tarde, foca em Tóquio.
Tóquio, 26 de outubro de 2018. Nosso shinkansen chegou na estação de Tóquio pouco depois de 18H30. Anoitece cedo aqui, ou talvez o conceito de horário de verão não exista. Fato é, anoitece deveras cedo nesta época do ano. O monte Fuji foi dormir antes que nosso trem passasse nos arredores, e na ida ele se cobriu de nuvens. Tímido. Ou cheio de pudores. Enfim, desse não encontro veio o encontro com Tóquio, a megalópole sem estrelas.
Os neons impressionam, encantam, hipnotizam. Andei hipnotizada como mariposa, pulando de neon em neon a caminho do nosso hotel, até que os olhos se fixaram num ponto onde havia um vazio de neons. Entre dois prédios, duas grandes árvores, lanternas em papel com escritos ilegíveis pra ocidental que ignora os kanjis, mas que entende bem que se trata da entrada de um templo. No meio de uma avenida movimentada, entre dois prédios, um espaço shintoísta. Que cidade fascinante.
Os olhos não cansam, a mente tenta processar aquilo que aos olhos dos locais parece não surpreender. A cidade não para. Não deve dormir esse lugar. Mas dormem as crianças nos carrinhos empurrados por suas mães sob a luz dos neons. Entre ruas de arranha-céus, ruelas com lanternas redondas e casas baixas. Tóquio é o contraste entre um futuro imenso, que escapa ao alcance dos olhos, um presente corrido e um passado distante, mas não apagado por completo. Os samurais vivem nos penteados dos jovens, como o pai que brincava com seu filho de nem dois anos sob um cruzamento movimentado em Shinjuku.
Em 27 de outubro, acordo com abraços. É meu aniversário. Dia de encontrar quem se escondeu no caminho entre Tóquio e Quioto. Mas antes, deixa Tóquio me impressionar mais um pouco, nem que seja o curto trajeto entre o hotel e a estação. Deixa eu encontrar aquela menina que assistia os seriados japoneses sem imaginar que um dia estaria naqueles lugares. Deixa a emoção tomar conta enquanto os passos me levam pra estação de ônibus de Shinjuku. Hoje a viagem vai ser de ônibus, pra mudar um pouco. Vou ali ver o Monte Fuji e já volto. Nos vemos amanhã, Tóquio.
Patrícia
Estou acompanhando a viagem no Instagram e adorando! Estive na Provence este ano e peguei dicas preciosas no seu blog e Instagram! Nunca estive no Japão ou China mas pretendo ir um dia, estou adorando seu relato! Obrigada por dividir com a gente!!!