A narrativa de Romain Gary definitivamente me conquistou com o livro “La tête coupable“, e o título “Os tesouros do mar Vermelho” me chamou atenção quando estava na livraria procurando material pro projeto, e tanto o título como o autor me chamaram atenção. Sem hesitar, trouxe pra casa esse tesouro, mas várias outras leituras passaram na frente e ele acabou esquecido na gaveta. Até que abri a tal gaveta e me deparei logo com o livro, que coloquei na bolsa pra ler entre um intervalo e outro no trabalho. Pois o livro foi devorado em menos de um dia, e o post sobre ele furou fila, pra compensar o tempo passado dentro da gaveta.
Romain Gary, nascido na Polônia e naturalizado francês depois de ter migrado com a família fugindo da perseguição antissemita do início do século XX foi, além de escritor, diplomata e também soldado das forças aéreas francesas, combatendo durante a Segunda Grande Guerra. Uma vida movimentada, uma alma movimentada, uma mente criativa, no ano em que o tratado de paz que deu fim à segunda guerra foi assinado, Gary publica seu primeiro romance, “Educação europeia”, mas foi em 1956 que ele se tornou conhecido do público, após ter recebido o prêmio Goncourt pelo livro “As raízes do céu”.
“Os tesouros do mar Vermelho”, publicado em 1971, trata de uma viagem feita pelo autor ao Djibuti e ao Iêmen, com o objetivo de buscar os tais tesouros, que ele apresenta como “imateriais e, quando a pluma não os registra, eles desaparecem”. Os tesouros são personagens que ele vai buscar nos confins de um país onde “não se vive, se sobrevive”, um Djibuti que o autor retrata como um ambiente inóspito a toda forma de vida. Entretanto, ele encontra vida no país, e ele tenta entender qual suplício pode ter levado o homem a habitar um lugar onde tudo é hostil. Um dos “diamantes” que ele procura é justamente uma vida que cessaria de existir caso deixasse o país.
Percorrendo as estradas do Iêmen numa motocicleta velha, ele prossegue sua busca por outros tesouros. Ao longo da narrativa, ele intercala momentos de descrição do cenário onde se encontra, as pessoas com quem interage pelo caminho, assim como reflexões pertinentes e um tanto dolorosas sobre o papel das potências imperialistas no massacre da cultura de suas colônias. É um relato tocante e chocante, e por momentos foi difícil conter as lágrimas. Impossível não questionar o peso do turismo de massa em regiões exploradas até a última gota de suor dos locais para agradar os estrangeiros quando o autor encontra um personagem que anuncia um projeto hoteleiro ambicioso no litoral do Iêmen: o autor parte com a certeza de que a empreitada colonialista foi um fracasso e corrempeu os colonizados.
Quando ele se vê impossibilitado de partir do país porque o oficial que detivera seus documentos estava de folga, ele analisa tal procedimento com um desprendimento que só a experiência e vivência de outras culturas e hábitos o possibilitaram: não se tratava de mero procedimento burocrático, mas de um homem que havia dado sua palavra que os documentos seria restituídos ao portador pelas mesmas mãos daquele que os recolheu. O oficial tinha dado sua palavra, Gary não a contestaria. Ele sentou e esperou, e contou com a boa vontade dos demais oficiais, que o acolheram, compartilharam comida e água, contaram histórias. Ele se sentiu um “vagabundo iemenita” sentado na beira da estrada, o que foi vivido por ele como uma espécie de libertação : “O hábito de não ser nada além de si mesmo acaba por nos privar totalmente do resto do mundo, de todos os outros; “eu”, é o fim das possibilidades…”
Milena F.
O tipo de leitura que me agradaria enormement!!!