Quando criança, lembro claramente das colegas falarem com entusiasmo de seus planos de debutante, que invariavelmente seria uma viagem de princesa pra Orlando. Escutava com atenção os relatos acerca de suas expectativas, enquanto a única princesa Disney que me interessava era Anastasia. Algumas poucas felizardas podiam ter viagem e festa de debutante, com direito à vestido bufante, 15 pares de casais dançando valsa, centena de convidados, e muitos outros detalhes que se perderam ao longo desses 20 anos que se passaram desde que eu mesma celebrei meus 15.
Meu sonho, porém, era um tanto diferente do sonho das minhas colegas: eu queria ver o mundo. Eu, que naquela época tinha viajado no máximo até Porto Seguro ou Balneáreo Camboriú pra visitar o Beto Carrero World, sonhava com meus 15 anos em Paris. Realizei esse sonho aos 22 anos, quando me vi aos pés da Torre Eiffel sem ter me planejado pra tal, com os olhos transbordando a emoção que esperou cerca de 7 anos pra vir à tona. E me restava o sonho de ir à Rússia, segundo destino na minha lista de desejos. Meu sonho se realizou em 26 de agosto de 2014, dia que cheguei em São Petersburgo.
A emoção da primeira visita
Confesso que, além da visita ao Museu Hermitage, Igreja do Sangue Derramado e Fortaleza de S. Pedro e S. Paulo, eu não tinha um roteiro. Me encontrar na cidade era o suficiente. Pisar na Rússia era a realização de um sonho tão imenso quanto a extensão territorial desse país de dois continentes. Eu quis beijar o chão quando sai do ônibus que nos transportou de Helsinki à São Petersburgo. Mas me contive, claro. As lágrimas de emoção, entretanto, foram mais difíceis de conter. Já na saída do ônibus fomos impactados com as dimensões um tanto grandes das construções. Mas o choque mesmo veio ao entrar no metrô: descíamos e descíamos, e ainda assim parecia estarmos longe da entrada. Nossa hospedagem ficava a três estações de metrô do ponto onde chegamos, mas isso era 6km de distância. Não era luxo nenhum andar de metrô por lá, pelo contrário, é obrigação, pois a beleza do metrô russo é famosa.
Tudo era imensidão. Desde a minha emoção, passando pelo tamanho das estações de metrô e das ruas, os quarteirões que me fizeram rever o conceito de “dar uma volta no quarteirão”, culminando com a diferença cultural. Por mais que São Petersburgo tenha ares europeus e se encontre, de fato, no continente europeu, o alfabeto cirílico nas placas das ruas indicava claramente uma grande diferença. A barreira do idioma se mostrou forte, e os gestos foram muito úteis. Não fosse a “cola” que levei, seguindo conselho da Camila, não teria conseguido ler o nome da moça que trabalhava no restaurante onde comemos, nem mesmo a palavra “restaurante”.
Primeiros passos
Depois de termos rodado procurando nosso hostel, entendemos como funciona um quarteirão na cidade: aquele imenso bloco esconde no seu interior uma infinidade de edifícios residenciais, e era no coração de um destes blocos que estava o Missis Hudson, o hostel mais barato que já me hospedei na vida. Dividimos nosso quarto com Michelle e Arthur, o casal de amigos que viajava conosco e, apesar de ter capacidade para mais pessoas, só ficamos nós quatro hospedados lá. O banheiro era compartilhado, e achei a limpeza no geral muito boa. Tinha a tão querida máquina de lavar roupas – estávamos há mais de 10 dias na estrada, e ali seria nossa segunda lavada de roupa, e primeira tendo sido no hostel em Estolcomo.
Enquanto nossos amigos descansavam da viagem de ônibus nada repousante entre Helsinki e São Petersburgo – com direito a quase termos sido deixados na fronteira da Finlândia com a Rússia, contarei noutra ocasião – minha empolgação não conseguiu esperar, e quis perambular um pouco pela cidade, respirar o ar daquele sonho concretizado diante dos meus olhos e sob meus pés. E esses pés me levaram quase que sem querer pros arredores da igreja do Sangue Derramado, o lugar que eu mais queria ver e visitar na cidade. Derramei algumas lágrimas quando vi a cúpula de longe, e ficamos um bom tempo sentados no Campo de Marte, ao lado do monumento em homenagem aos mortos na revolução e sua chama eterna. Fiz uma infinidade de fotos que vi, tudo era diferente demais, mas parecia familiar demais. Nesse primeiro dia, me bastou me encontrar com a cidade, me encontrar na cidade. Perambulamos sem rumo, sem roteiro, nos deixamos levar.
A cafeteria mais linda de São Petersburgo
E o pior café da minha vida. Não dá pra ter tudo, né? Enquanto caminhávamos pela avenida Nevsky, nos deparamos com uma vitrine linda, cheia de bonecos articulados se movimentando, e doces maravilhosos expostos. Pronto, a isca funcionou, e entramos naquilo que me transportou imediatamente pro cenário de Ana Karenina. Me senti dentro de uma caixinha de música com aqueles bonecos se mexendo, e ao entrar, me encantei com o cuidado na organização das prateleiras e dos produtos expostos.
Ali não é o tipo de lugar onde se entra, faz foto e vai embora, até porque as várias plaquinhas indicam bem que só os clientes tem direito à fazer fotos, então decidimos nos instalar numa das concorridas mesas e experimentar um café e um dos belos doces. O café era de fato horrível, mas o doce compensou e muito. Se vai à São Petersburgo, sugiro incluir uma visita ao Eliseyev Emporium no roteirinho, mas dispense o café.
Museu Hermitage
No dia seguinte, nosso segundo dia ali, tinhamos compromisso agendado com antecedência, uma visita indispensável pra mim: Museu Hermitage. Calhou da visita ser numa quarta-feira, dia que o museu abre de 10h30 à 21h – adivinhou que horas saimos de lá? Fiz a compra do bilhete pelo site do museu pra evitar fila, e mesmo o bilhete tendo sido 4US$ mais caro (em 2014), valeu cada centavo. Quando chegamos ao museu, a fila era considerável, e cada minuto de espera representaria um minuto precioso que deixaria de apreciar parte do acervo daquele gigante. Nos dirijimos pra entrada especial para os tickets reservados pela internet, deixamos nossos pertences no gigantesco porta-bagagens e fomos percorrer a imensidão do palácio.
Escolhi dar mais atenção justamente à parte do acervo do Hermitage que o tornou imprescindível nessa visita, por concentrar muitas obras e peças da Ásia Central. Não é fácil passar indiferente por obras so renascimento italiano, e enquanto percorríamos as galerias sem muito nos atardar nas obras expostas, tive um momento de nostalgia imensa quando meus olhos pararam num quadro de Paul Cézanne. O artista de Aix-en-Provence elegeu a montanha Sainte-Victoire como motivo de predileção, e de repente, a mais de 3 mil quilômetros de casa, me vi diante do primeiro lugar que visitei quando cheguei aqui. A emoção já estava à flor da pele, e naquele instante, transbordou. Não consegui conter as lágrimas, era um misto de saudade de casa – estávamos na estrada há 13 dias – com a alegria de realizar um sonho dentro do sonho.
Passamos a maior parte do dia contemplando o acervo da rota da seda, Ásia Central, China, Índia, Japão, além de nos deslumbrarmos com toda a parte de peças egípcias em exposição nos andares inferiores do museu. Acho que São Petersburgo é uma cidade que merece pelo menos cinco dias de visita, e o Hermitage pode ser visitado em dois dias – o bilhete é inclusive melhor rentabilizado nessa opção.
Bilhete 1 dia visita integral: 700 rublos (cerca de 12US$, comprado na hora), 17.95US$ comprado pelo site.
Bilhete 2 dias visita integral: 23.95US$ (comprado pelo site)
Igreja do Sangue Derramado
A visita à igreja aconteceu somente no nosso último dia na cidade, e foi um momento inesquecível. Acho que fiquei meio sem fala, pra dizer a verdade. Ainda lembro de todas as sensações de emoção que senti: o coração naquele dia se mostrou bem forte, porque olha, quase parou quando entrei na igreja e meus olhos se repousaram sobre os cerca de 7.500m² de mosaicos que decoram seu interior. É de uma beleza ímpar, e fica difícil acreditar que tudo isso foi saqueado e danificado após a Revolução e também sofreu degradação do período pós-guerras.
A igreja leva esse curioso nome por conta da história do local onde foi construída. Em 1881 o imperador Alexandre II sofreu um atentado no local, o “sangue derramado” sendo o seu. Dentro da igreja há um santuário no exato local onde o imperador sofreu o ataque. A construção da igreja teve início dois anos após seu falecimento, e os trabalhos foram concluídos em 1907.
Horários: fechada às quartas-feiras. Aberta de 10h30 às 18h. De 1 de maio a 30 de setembro aberta também de 18h às 22h30 (entrada 400 rublos para visita noturna)
Bilhete: 250 rublos (adultos), 50 rublos (crianças), áudio-guia 100 rublos (russo, inglês, alemão, francês, italiano, espanhol)
Fortaleza de Pedro e Paulo
Nossa última visita em São Petersburgo foi à Fortaleza de Pedro e Paulo, um imenso complexo que reúne a Catedral de Pedro e Paulo com o mausoléu da família Romanov, a prisão Trubestkoy, o Museu de exploração espacial e tecnologia de foguetes. Construído na ilha Zayachy às margens do rio Neva, é um belo conjunto arquitetônico e parte do acesso é livre, sendo pago apenas pra entrar nos diferentes edifícios.
Escolhemos visitar a catedral de Pedro e Paulo e o mausoléu onde estão os restos mortais da família Romanov, que foram trazidos apenas após 1990. E ali me encontrei sob o mesmo teto da mítica princesa Disney (pelo menos pra mim): os restos da princesa Anastasia também repousam no jazigo da família, cuja morte aconteceu durante a Revolução Russa.
Entrada na Igreja e mausoléu: 450 rublos (cerca de 27 reais – cotação de junho/2018)
Bilhete combinado com acesso a 5 lugares do complexo, bilhete válido por dois dias: 600 rublos (cerca de 37 reais – cotação de junho/2018)
Minhas impressões
Muitos lugares ficaram de fora do nosso roteiro, mas nos faltaram dias também. O que não faltou foi vontade de voltar pra visitar com o tempo devido cada um dos lugares que poderiam ter integrado esse roteiro, mas trouxe pra casa o coração cheio de alegria por ter realizado um sonho tão antigo, que me parecia tão, mas tão longe, quase impossível de ser realizado! De São Petersburgo seguimos viagem à Tallinn, capital da Estônia, e assunto para outro post!
Minhas fontes de pesquisa para a viagem
Continue viajando pela Rússia por aqui: peguei dicas nos blogs Viaggiando da Camila Navarro, Ziga da Zuca da Natalia Gastão e Viver plenamente Paris da Milena Fischborn sobre São Petersburgo
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